Foram necessárias mais de dez consultas com especialistas de várias áreas para que a publicitária Roberta Carusi, 47, descobrisse a causa dos sintomas que vinha apresentando desde que teve um mal súbito, dias depois de pedir demissão da agência onde trabalhava.
O diagnóstico: síndrome de burnout, transtorno mental que afeta 32% da população economicamente ativa no Brasil, e do qual Roberta nunca tinha ouvido falar.
Sofrendo de exaustão, cabeça pesada, desânimo, dificuldade de concentração e sensação de desmaio, ela diz ter enfrentado preconceito e falta de conhecimento dos próprios médicos. “Ouvi que estava com frescura, que tinha inventado a fadiga para evitar o trabalho”, diz a publicitária.
Seu caso foi tão extremo que por meses ela não conseguia ir do sofá até o banheiro sem parar no meio. “Eram só nove passos de distância”, diz.
Hoje, depois de um ano se tratando com um médico integrativo, calcula ter recuperado 60% de sua energia. Roberta afirma ter chegado a essa situação depois de duas décadas de trabalho sob estresse crônico. “Fazia jornadas de 18 horas por dia, sem fins de semana. Era normal virar noites sem dormir”, disse.
Desenvolvendo a doença
De acordo com Antônio Geraldo da Silva, diretor da Associação Brasileira de Psiquiatria, pessoas ambiciosas, perfeccionistas, com necessidade de reconhecimento e que substituem a vida social pelo trabalho são mais propensas.
Essas características, aliadas a condições externas, como conflitos com chefes e colegas, baixa autonomia, falta de feedback positivo e pressão do tempo, levam a um quadro de desmotivação e estresse constante que resulta em danos físicos e transtornos psíquicos.
“O estresse afeta o sistema imunitário e é cumulativo”, afirma Ana Maria Rossi, presidente da Isma-BR (International Stress Management Association).
“Não é incomum que uma pessoa desenvolva câncer ou sofra ataque cardíaco até 24 meses depois de um evento traumático”, completa.
Foi o que aconteceu com o gerente financeiro Ademir de Campos, de Curitiba, que relata ter sofrido infarto precedido de um processo de “fritura” na empresa de varejo em que trabalhou por oito anos, e que culminou com demissão.
Outros sinais – sangramento nasal, insônia e perda de memória – foram ignorados nos dois anos de maior pressão. O diagnóstico só veio depois do infarto, pelo médico que o operou.
“O trabalho hoje nos impede de considerar limites biológicos”, afirma Sigmar Malvezzi, pesquisador em psicologia organizacional e professor da Fundação Dom Cabral.
“Exigimos do organismo aquilo que não somos capazes de fazer por tempo prolongado”, explicou Sigmar.
Para o outro lado
As consequências para as empresas também são desastrosas. Os prejuízos da baixa produtividade causada pela exaustão chegam a 3,5% do PIB (Produto interno Bruto) do Brasil, de acordo com cálculos da Isma de 2015.
E quase metade desses profissionais desenvolve também depressão, o que dificulta ainda mais o diagnóstico.
“A principal diferença é que o burnout é sempre relacionado ao estresse. Todo deprimido está em estresse, mas o contrário não é verdade”, diz Rossi.
Além da falta de informação, o combate passa por outro desafio grave no Brasil: o preconceito. “As empresas precisam trabalhar os estigmas e investir em campanhas de prevenção”, diz Silva.
Valorização pessoal
Edna Bedani, diretora da Associação Brasileira de Recursos Humanos, destaca outro ponto para tentar evitar que o organismo entre em pane: o autoconhecimento. “É importante que o profissional se fortaleça e estabeleça limites”, afirma.
O desembargador Sebastião Geraldo de Oliveira, gestor nacional do Programa Trabalho Seguro do TST, ressalta que é dever dos empregadores garantir um ambiente sadio.
“Se for comprovada a responsabilidade da empresa, o funcionário pode exigir indenização por danos materiais e morais. E se houver uma incapacitação definitiva, cabe a indenização por danos existenciais”, diz Oliveira. O termo, introduzido na reforma trabalhista, se refere à situação que compromete o projeto de vida da pessoa.