A ideia de ter um chefe no pé do funcionário oito horas por dia está perdendo espaço para o modelo de autogestão, que reduz burocracias e pode acelerar processos nas empresas. Mas toda mudança vem acompanhada de resistência.

“Nossa cultura não favorece a autonomia para o profissional pensar melhor na forma de executar uma tarefa”, afirma Marco Túlio Zanini, especialista em carreiras da escola de administração da FGV.

Com isso, diz, essa competência fica “atrofiada”: “Uma equipe muito dependente do chefe é ineficiente”, completa.

 

Autonomia e confiança

Para Joel Dutra, especialista em gestão de pessoas da FIA (Fundação Instituto de Administração), existe no Brasil uma cultura de submissão que se reflete no desenvolvimento da carreira.

Segundo ele, mesmo que a empresa adote um discurso de que valoriza o protagonismo do profissional, o que acontece na prática é a inibição da autonomia das pessoas.

“Não há espaço para criatividade em um ambiente onde as coisas são feitas de acordo com padrões estabelecidos por outros. Isso leva o profissional a buscar alternativas ou a se acomodar”, diz.

Ceder poder não é fácil. Mas, para Arthur Igreja, consultor especialista em estratégia e inovação, a tendência é que as organizações abram mão de estruturas hierarquizadas, nas quais cada funcionário tem dezenas de chefes.

“Um bom líder deve agir como um tutor e ajudar quem trabalha com excelência a conquistar recursos, e não ficar no caminho”, afirma.

Quanto maior a confiança no funcionário, maiores as chances de o chefe dar liberdade para que ele trace sua própria trajetória. A confiança está diretamente ligada à experiência e à maturidade do profissional. Estagiários e trainees devem ter calma.

 

Resultados do modelo

Entre os benefícios da autogestão para a empresa, os especialistas apontam a aceleração de processos, o maior desenvolvimento dos profissionais, que terão mais responsabilidades, e a possibilidade de o chefe se concentrar mais em assuntos estratégicos.

Para dar certo, é preciso ter planejamento e organização e solucionar dúvidas logo que elas apareçam.

O cientista da computação Gustavo Machado, 28, funcionário da Youse, plataforma online da Caixa Seguradora, usa um software para organizar suas tarefas. Para ele, que já trabalhou sentado ao lado do chefe em outra empresa, a liberdade é motivadora.

Na empresa, reuniões gerais são realizadas só uma vez por mês; a cada trimestre, as metas são o assunto do encontro.

A autonomia também caiu bem para o gerente tributário da plataforma de delivery iFood, Rodolfo Araújo, 32, que consegue conciliar trabalho com mestrado e projetos pessoais. Horários flexíveis e a possibilidade de fazer home office ajudam.

 

O outro lado

O lado ruim do modelo mais independente de trabalho é que ele pode levar a um isolamento do profissional, diz Carolina Fouad, gerente do núcleo de carreiras do Insper.

Algumas pessoas podem não se adaptar à autogestão. Integrantes da geração z (nascidos a partir da década de 1990), por exemplo, dizem que gostam de ter protagonismo, mas, ao mesmo tempo, querem receber feedback sempre, segundo Igreja.

Já profissionais mais velhos, muito acostumados a estruturas rígidas, podem ter dificuldade de lidar com a liberdade.

Cabe ao gestor avaliar se o profissional está preparado. “Se tem dúvidas sempre e precisa de reconhecimento, pode ser que não esteja pronto para seguir sozinho”, diz Fouad.

 

A autogestão não é indicada para todas as funções. Se combina com atividades mais intelectuais e criativas, pode não ser adequada para atividades operacionais e industriais, que precisam de acompanhamento frequente.

Leia também