Quem acompanha a implementação dos compromissos que o Brasil impôs a si mesmo no âmbito do Acordo de Paris não tem dúvida: o país caminha na contramão de suas próprias políticas climáticas.

Para além das crescentes emissões de carbono no país -que subiram 8,9% em 2016, tornando mais distante a meta de redução de 37% até 2025-, o que mais preocupa as organizações ligadas ao clima são a falta de coordenação entre os atores estatais e a descontinuidade na implementação da agenda ambiental.

A medida provisória 795, que concede incentivos fiscais ao setor de óleo e gás (principal emissor de carbono no mundo), é citada como o exemplo mais recente da falta de diálogo dentro do governo. Aprovada na quarta (29) na Câmara dos Deputados, a iniciativa segue para o Senado sem ter passado por consulta no Ministério do Meio Ambiente.

O presidente da Comissão Mista de Mudanças Climáticas, senador Jorge Viana (PT-AC), disse contar “com o juízo do Senado” para barrar a medida. Entidades calculam que os benefícios cedidos ao setor podem chegar a R$ 1 trilhão até 2040.

 

Direções opostas

A proposta, contudo, não constitui um ponto fora da curva. Para Viviane Speranza, uma das autoras da mais recente análise do WRI (World Resources Institute) sobre as políticas climáticas brasileiras, o Plano Decenal de Energia (PDE) mostra o descolamento entre as agendas de clima e de desenvolvimento no governo brasileiro.

Embora a Política Nacional de Mudança do Clima tenha em 2009 estipulado o PDE como um instrumento para reduzir as emissões de carbono no setor energético, “a previsão para os próximos dez anos é que 74% dos investimentos sejam em fontes de energia fósseis”, aponta Speranza.

Segundo ela, para conseguir cumprir o que prometeu no Acordo de Paris, o Brasil deveria estar cumprindo promessas anteriores, previstas na Política Nacional de Mudança do Clima.

 

Sem conversa

Em 2007 foi criado um comitê interministerial com 16 pastas do governo para orientar a elaboração conjunta das políticas climáticas. O grupo, no entanto, não se reúne desde 2013. A Casa Civil está atualmente revendo o decreto que deu origem ao comitê e pode instituir uma nova governança climática.

A iniciativa preocupa organizações por não prever a participação da sociedade civil. “Se a sociedade não tiver licença para opinar, as chances de se implementar uma forma mais republicana e efetiva de governar a política de mudança do clima vão se esvair”, critica Natalie Unterstell, secretária executiva adjunta do Fórum Brasileiro de Mudança do Clima.

O órgão, com representantes do governo e da sociedade civil, foi criado justamente para ampliar a participação social na implementação das políticas do clima.

“Hoje corremos o risco de ter mais de um órgão cuidando do mesmo assunto, ou com políticas setoriais opostas, que não nos direcionam para o mesmo rumo”, diz.

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