O objetivo da reportagem de Capa desta semana era retratar a Guerra na Síria e chamar a atenção dos leitores para a possibilidade de auxiliar as vítimas naquele país distante daqui.

Era nossa intenção, até a noite de quarta-feira, fazer uma outra reportagem na editoria Saber Político, comparando os números da violência na Síria com os números brasileiros.

Então ocorreu a execução da vereadora carioca Marielle Franco.

Num primeiro instante, o leitor pode pensar: “cara, o que eu tenho a ver com a Síria, se aqui está deste jeito?”. A matéria então, poderia ser considerada menos relevante.

Mas não. Os dois textos, as duas realidades, infelizmente merecem destaque.

Desde sempre, as pautas do Jornal do Trem & Folha do Ônibus são direcionadas para o lado positivo da vida. A violência nunca foi pintada com tons sensacionalistas por aqui. Nunca tivemos uma editoria policial, e nem pretendemos ter.

Até mesmo na matéria de Capa, o leitor poderá perceber que o enfoque foi a empatia. Que as pessoas precisam ser solidárias – mesmo que os problemas estejam tão distantes, em termos físicos.

O fato é que, se formos parar para pensar, os brasileiros são verdadeiros “irmãos de guerra” dos Sírios. Muda-se a forma como a violência acontece – aqui por tiroteios aleatórios, lá por bombardeios que vêm do céu. Mas, pasme leitor: num mesmo período de tempo, de 2011 a 2015, morreram 279.567 brasileiros vítimas da violência. Na Síria, a guerra – com todos os seus horrores – fez 256.124 vítimas.

Sim. Se for para comparar em termos numéricos, o Brasil é pior – muito pior – do que o país que está em guerra, lá no Oriente Médio.

O que sobra para os cidadãos? Evitar a todo custo andar na rua de noite. Esconder o celular na meia. Andar olhando para todas as direções e ficar apavorado se uma moto ou um carro ou outra pessoa “suspeita” se aproxima. As ruas não são mais das crianças e suas brincadeiras. Estão todos fechados em suas casas, acuados. Somos prisioneiros do medo.

Como praticar empatia com os sírios, vivendo essa realidade de cão? Como praticar empatia aqui mesmo? Acaba sendo mais “fácil” ajudar lá na Síria, do que entender e agir de forma proativa para tentar combater a violência aqui no Brasil.

Marielle tentou. Era ativa, falava sem freios. Horas antes de ser baleada, estava numa roda de mulheres negras, falando sobre o papel das mulheres nesta sociedade tão doente.

Qual a lição que podemos tirar de tudo isso?

As mazelas podem fazer vítimas de formas completamente diferentes no mundo inteiro. O que ninguém pode é começar a considerar isso normal. A violência não é normal. A guerra não é normal – seja ela aberta ou velada.

Essa consciência e as mobilizações que acontecem com ela é que precisam se tornar uma constante. No mundo inteiro, os bons prevalecem. Só está passando a hora desses bons começarem a agir.

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