Ouvir uma batucada de samba sem marcar o compasso com o pé ou tamborilar com os dedos é quase impossível. Para os menos musicalmente inclinados, o surdo ajuda a encontrar o ritmo, marcando tempo e contratempo.

Mas o ritmo do surdo não é necessário para fazer o cérebro entrar na dança. Embora o samba seja por definição um padrão sincopado, no qual as notas costumam não soar junto com o tempo, em geral poucos segundos são necessários para que o ouvinte comece a fazer às vezes do surdo com o bater do pé.

A capacidade de encontrar o ritmo da música mesmo quando não existe qualquer batida ou nota tocada regularmente no tempo e contratempo se chama indução. À indução se segue a batucada – o que sugere um processo em dois tempos no cérebro: um auditivo, de reconstrução de uma batida que não existe fisicamente na música e, depois, um motor, onde a batida no cérebro arregimenta a musculatura do corpo.

O ritmo fundamental, com duas batidas por segundo, contudo, não existe na música tocada. Mas está lá, de fato, no córtex auditivo, firme e forte: o córtex constrói esse ritmo, provavelmente como fruto de interações entre a periodicidade da música e a da própria atividade dos neurônios, e passa a segui-lo. Uma vez que o ritmo passa a existir no córtex auditivo – a ponto de ser detectado pela encefalografia -, ele é comunicado às regiões motoras do cérebro, e pronto: daí à batucada é só uma questão de incluir os músculos. Quanto mais cedo o cérebro cria sua batucada interna, mais rápido os dedos entram na dança. Um bom samba é, portanto, contagiante mesmo.

Suzana Herculano-Houzel é neurocientista e professora da Universidade Vanderbilt

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